10 de março de 2010

OLHARES...


Já nos dizia e com razão o sábio Livro dos Conselhos, "Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.". Muitas vezes, olhamos para as coisas, mas não as vemos e quando realmente as podemos ver devemos reparar nelas e retirar toda a sua essência e uma lição de vida. Porque cada olhar é diferente, porque cada olhar pode representar um sentimento, uma emoção diferente que pode até mudar uma vida inteira.
Quando olhamos para algo e reparamos, mesmo sem saber a verdade, podemos contar a nossa própria história e tirar as nossas próprias conclusões. No outro dia, ia a passar apressadamente pelo jardim e vi um velhinho sentado no banco, mas nem sequer liguei. No dia seguinte, ia com mais calma, a comer um gelado e voltei a vê-lo, sentei-me à sua frente e comecei a reparar nos pormenores. Tinha um aspecto cuidado, asseado, roupas de marca, sapatos engraxados, óculos imaculados e está, interessadamente a ler um jornal. Com certeza não é um sem abrigo, é apenas alguém que gosta de fazer a sua leitura habitual ao ar livre, junto da natureza, sem pressas porque o tempo já passa por ele impiedosamente.
Vendo as poucas rugas foi certamente alguém sem muitas preocupações e dissabores na vida, talvez tenha sido um empresário de renome ou um banqueiro ou até mesmo um simples professor. O gosto pela calma pode provir de uma infância passada no campo, quiçá no Alentejo, entre prados verdejantes e searas de trigo. Pelo sorriso poderá ter uma enorme família, filhos, netos, bisnetos, uma esposa dedicada e apaixonada por ele que o espera com o almoço pronto e posto na mesa. Se nunca tivesse parado para reparar neste comum velhinho, nunca poderia ter imaginado toda a sua história. Agora sim, aprendi a ver as pessoas com calma e já tenho mais uma lição de vida no bolso das recordações. Levanto-me e continuo o meu caminho, paro num café para comprar uma garrafa de água e reparo numa senhora sentada numa mesa, sozinha, a chorar. Olho para ela e imagino a dor que estará a sentir, parece ser uma mulher sofisticada e moderna, talvez com um cargo importante, ainda é bastante jovem, deve ter os seus 27 anos. Pergunto-me o que será que lhe aconteceu para estar tão abatida, talvez o namorado a tenha deixado, talvez tenha discutido com alguém, talvez tenha perdido uma amiga, talvez lhe tenha morrido algum parente, talvez tenha perdido o emprego, talvez esteja insatisfeita, talvez queira mais e mais, talvez chore por chorar. Nunca saberei a história desta mulher, mas posso e devo-lhe um acto de compaixão. Pago a garrafa de água, retiro um lenço da mala, chego junto á mesa dela e pouso o lenço sobre a sua mão e digo: "Espero que tudo lhe corra bem, as melhoras!" e continuo o meu caminho. Sei agora e prometo que irei olhar para todos os pormenores, para todas as pessoas com atenção, porque cada olhar pode contar uma história, uma vida, um sentimento e pode despertar em nós reacções que nunca pensámos ser capazes de realizar. Portanto, quando puderem olhar, reparem sempre.

Carolina Cunha e Filipa Nogueira

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